Azul Estácio
Quisemos comprar uma rua, uma
sombrinha, um terreno por uma árvore, um antigo pensionato infestado de
abelhas. (Secretamente, duas bicicletas idênticas). Mas hoje era um dia que
ficou mais velho. Ontem anoiteceu uma valsa já jovem, há muito. Do concreto
gasto se podem ver as estrelas. Geometria caótica, silhuetas úmidas, insetos nos
postes, nos cabelos. Não eram baratas. Como era o nome?
Há uma espécie de santuário nas
dobras das ruas. O movimento te lança como ondas, o choro de órgão te arrepia
os pelos da nuca. Na penumbra, vejo o suor gelado que molha o decote das tuas
costas igual que lágrima.
A eternidade desse segundo
envolve a tua cintura enquanto conto as linhas da calçada, erro e me perco, e
conto de novo. Vejo apenas a sombra da liberdade dos seus quadris que se movem
com o barulho dos carros, seus pés que estalam como acordes percussivos em
corda de violão.
Sou toda chão, diante dos olhos
estranhos que passam. Ensaio frases estranhas que só falam na minha cabeça. A
boca balbucia, treme, sem dizer aquilo que é inevitável. As curvas escusas do
Estácio são todas suas. As cervejas chocas do bar também.
O chiaroscuro das ruas se embaçam
com gotas de chuva nos meus olhos. Você tira, enxuga e devolve os óculos ao meu
rosto, pela última vez. Unhas algo ruínas arranham minhas bochechas; já não
estremeço.
Dente queiro quando dói se
arranca. E amor? Se valsa, em tom menor. Se come do pé. Se escreve em azul. Azul Estácio. E todas
as minhas memórias são tuas.
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