As Outras de Beatriz
Ela nunca falava a palavra eu. Eu,
provocava em Beatriz reações estranhas e inconsequentes. Ela infantilmente
tapava os ouvidos e se contorcia, a qualquer menção. Tremia e se arrepiava.
Algumas vezes, me socava no braço e dava uns gritinhos agudos, bastante
irritantes.
No entanto, devo dizer, isso quase sempre
me deixava mais assustado do que puto.
Fui pouco a pouco me familiarizando com as
outras de Beatriz. Aquela que me acorda à panelaços. A outra que descolore os
cabelos e os corta, ela mesma, de forma imbecil. Depois me pede para chamá-la
de Brigitte, a sádica. Essa que trepava voraz, e logo mal me reconhecia.
Algumas vezes, eu encontrava uma Beatriz
quase trancada em si mesma. Uma que tinha vergonha de todos os vizinhos, pois achava
que eles ouviam nossa orquestra sexual. Essa, corria pelos corredores do nosso
andar até para tirar o lixo e subia seis andares de escada para não ter que dar
bom dia. Seu mundo era o nosso universo particular. Apenas este, no qual me
esperava quase sempre nua, perfumada e úmida. E onde me pedia para lhe fazer
cócegas nos pés.
Mas, alguns desses dias, eu chegava e
encontrava a casa vazia, em perfeito caos. Ela chegava bêbada e provocando
briga só para eu fodê-la com força. Essa, distribui putarias aleatoriamente nas
caixas de correio e espalha sapatos de tamanhos diferentes na entrada, para parecer
que recebe visitas.
Certa vez, se vestiu de forma escandalosa
e se atribuiu nomes falsos em uma festa da empresa. Tentou me arrastar para o
banheiro, me pediu para chamá-la de puta. Eu, consternado, não consegui fazer
nada. Não gritei com ela, ou a puxei pelo braço. Também não a levei para o
banheiro da festa e choquei aquelas caras amarelas e hipócritas com quem
trabalho. Apenas fui embora e a deixei lá, entregue aos leões.
Essa noite, perambulei pela cidade até
quase amanhecer. Não liguei. Não me expliquei. Voltei para casa e ela estava
dormindo no sofá, com a TV ligada.
Não sei exatamente o porquê, comecei a
virar as cadeiras, chutar portas e a gritar. A urrar. A chamar nomes que nem
sabia que existiam. Ela acordou e estarreceu. Correu pra cozinha e pegou uma
faca. Ainda tremendo, começou soluçar, praguejar. Sentou-se no canto, sobre o
azulejo, e ficou repetindo que ia me matar, enquanto eu quebrava todos os seus
bibelôs orientais. Foi um inferno.
Se Beatriz, e me refiro a qualquer uma
delas, ainda tinha dúvidas sobre a opinião dos vizinhos, desse dia em diante
elas se dissiparam por inteiro.
Passada a tormenta, ela vestiu uma roupa
qualquer e saiu. Eu fiquei.
Beatriz pode ser tantas que, no fim, está
em todos os lugares. Sobre a cômoda. Beatriz. Atrás do gaveteiro. Beatriz. No
banheiro do escritório. Beatriz. Achei que estava ficando maluco.
Ao final do dia seguinte, ela voltou. Como
quem voltava no tempo, sem qualquer sinal de raiva ou medo. Rapidamente me
envolveu, com suas sete cabeças mitológicas e inacreditavelmente belas. Se
enroscou no meu colo enquanto sussurrava algo incompreensível. Eu estava
delirante, bailando uma valsa com sete Beatrizes, e era incrível como eu amava
intensamente cada uma delas.
Ela estava gigante, molhada, os cabelos
grudando na face avermelhada. Tinha os olhos fechados e uma expressão de prazer
e dor que se misturavam e me embriagam, e era quase um veneno. À medida que
seus espasmos foram ficando mais e mais intensos, foi assumindo uma expressão
de crescente desespero que eu não entendia. A urgência daquele momento, em seu
ápice, virou pranto. Eu nunca havia visto alguém chorar assim. E foi lindo.
Passada a valsa, ela acendeu um cigarro e
se confundiu com as paredes. Não disse mais nada. Nada. Apenas fumou, se vestiu
e saiu, assim sem se despedir. Sem levar nada.
Com tantas de Beatriz, não restou um sinal
sequer de renúncia, em qualquer uma que a seja. Foi embora, com todas as outras.
E, eu sabia, não iria voltar.
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