Andrajo branco
Uma pedra em meu seio direito
Fleima, repuxa e sinto um peso diferente
É notório e, talvez por isso mesmo,
Todos me dizem que algo mudou
E que eu não vi
Mas até as plantas da sala o sabem
Esse é só mais um dos caroços dentro, um dos nós
E se somente eu tivesse reparado antes
O odor ocre e adocicado
As fibras que se formam a cada queda
Quebra
Falta
Excesso
Se eu tivesse parado um segundo qualquer
Para me sentir comigo
Me notar no tempo que passa
Mas agora já era
Um turgor me embraza
Ora me sento e me figuro a arrancar
Partes doloridas
Tirá-las mesmo, nas unhas, na ponta da caneta
Aperto, espremo, até movê-las,
Vê-las
Em seu lento processo de liquefação
Até gerar algum prazer, ou expurgo.
E amanhã recomeça, maisdilatado que ontem
Carne intumescida de pus e festejando garras
Todos veem que algo mudou
Até as paredes sabem
O excesso de grito e promessas, e paixões
Cotidianas
E toda essa inflamação que se espalha
Mofa o enxoval na cesta de roupa
Mesmo um menor gesto
Te telegrafa
Ainda assim, eu penso
Eu podia...
Ter aberto essa minha seiva bruta a outros nós
Pra me enlevar o mesmo tanto que inflamo
E inflamo
Todos os dias
Que meus caroços e ranhuras me têm feito totém
Porque antevejo, olho, e aperto a pele
Abocanho a laranja com a casca
Mas é tarde
Na janela um pássaro repousa
Sobre um galho fino
Saguis passam
Cantam
Pássaros, araucárias, cupins, baratas
Luzes mágicas de encantamento
Tempo que gira de dentro de seu azul
Para um cinza-água fresco
Nunca me acostumei a ver a tarde se pôr assim
E talvez por isso que eu permaneça
Até que não mais inflame.
Um só nó em meu seio direito
Me lembra a todo minuto
Essa paz serosa
De que alguém morreu
De inflar e derivar
Sentir a língua e escolher meditar
E querer
E cheirar a tarde e não suspender
Feito andrajos brancos
Me embalar
É certo que, ao menos uma vez,
Todas as mulheres são fantasmas
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