Musa
Quando ele me musicou, também me embalou
Pra viagem, eu não
vi.
Deitei a cabeça sobre a fronha
Recém-lavada, um perfume incomum
As pupilas dilatas e dedicadas ao fundo branco dos olhos
O olhar vidrado e quente
Como quem se aproxima do fogo a ponto de queimar
As pestanas
O dedo em riste
Para o céu aberto, a nébula a costurá-lo
Ao mar
A melodia tinha cheiro de maresia descoberta,
Peixes,
Cavalos-marinhos,
Pesca em maré-cheia.
Eu fui.
Ele me convidou à captura, como eu bem sabia
Depois me plastificou
Me temperou, cortou, colou
Dedilhou, e me atulhou de poemas e flores e especiarias,
Também, mortes eminentes e café da manhã quente.
Eu degustei, encontrei um lugar quentinho na prateleira e
menti.
Os lábios úmidos e quentes
Brilhantes de novos enredos e suor,
De novas galerias para
Falsas e inofensivas musas, eu sonhei.
Em sendo busto reluzente, fincada
Em sua sala estreita e cheia
De móveis velhos,
Instrumentos, pílulas, passado…
Havia ali tanta tralha e rascunhos sobre o
Meu eu, que era irresistível ser
Indelével fraude
Plena.
Que mal faria?
A não ser que a musa fosse outro eco
Dele, mais um.
E num quartinho apertado,
Ruidoso e pouco ventilado,
Como nos ressonaríamos?
A novidade às vezes é uma violência sensual.
Irresistível feira de variedades, por detrás de grades
Um segundo de corisco, sem cheiro doce de tempestades
Me deu uma roupa de chita, eu dancei
Me chamou de nomes,
Débora, Marcela, Beatriz, e tantas que me confundi
Nos passos, rasguei as fórmulas, eu, multiinstrumentada
Com pedais, ruídos, cordas, sonhos
Eu não gemia, eu sufocava.
Por sorte, menti.
Me vi da janela, posei.
Respirei, pronfunda e íntegra,
Desfeita, autoesquartejada, minha!
Olha minhas pupilas contemplativas e altivas.
Quando derroto a musa, eu me dignifico.
Matei o espetáculo,
Silenciei a música, a voz dele
Ecoando em si
Sampleada.
Não mais...
A música foi, eu fiquei.
Também o silêncio, a sala vazia,
Circular e sem pontas
Como um ovo perfeito.
Eu que esculpo a auto-estátua, vê
Eu que defino a tônica e a quebra,
Eu mergulho
Em rimas ridículas, de mim e pra mim,
As palavras que ficam, e as que não,
Espancadas pela poesia e pela liberdade
De orgasmos reais
Sujos
Sem etiqueta.
Cômodo oco, ventoso,
Moldura sem tela
Repetida pausa, aqui me exalto.
Aqui escuto finalmente os meus compassos.
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