Mão

A minha mão caminha pela casa. Você, seus vultos ruidosos que passam pelos cômodos.

A minha mão caminha, antecipando o que vem. Texturas, formas, sujeiras e obstáculos entrepostos no caminho. A minha mão escuta. O que fica de ruídos seus pelos compartimentos. Ela aguarda, e então vai percorrendo seus momentos, revivendo pequenas passagens mundanas suas com eletrodomésticos, corrimãos, tapetes, mantas retorcidas sobre o sofá.

Essas são partes favoritas de uma liturgia dos dias. Que a minha mão repete, repete. Até adormecer. Mas há muito silêncio por aqui.

Após o último chiado do liquidificador, a última onda de aberturas do noticiário: quietude. 

Minhas mãos conversam com paredes, com eletrônicos. Depois repousam sobre meus olhos, que não abrem pelo que temem, esperando pela antecipação do toque. Nunca fui tão vulnerável assim a imagens tuas, às linhas da tua pele e teu tilintar de chaves, como um porteiro. Mas, certamente eram outras portas, outros cheiros de flor pela entrada e até mesmo minhas mãos não são mais as mesmas.

Antes, sempre voltava. O ensaio para a cópula. A comida. A TV. Eletrodomésticos, como um cientista. Sexo. Escala pentatônica. Uma banda interessante. Sexo. Eu, essa mobília animada extremamente funcional e cheia de mãos. Um pequeno e miúdo corpo com super membros superiores. Minha mão com a constância calma que têm as paredes. 

A porta não bate às 19:15. Busco o meu sexo, os ruídos se dispersam por meus espaços, lugares dentro. Há flores, como disse, mas elas são sempre tristes. Meus jardins me oprimem. Ainda me liberto no gris fechado das minhas divisões, essas que eu construí como dizem: com minhas próprias mãos. Alguns lugarezinhos desses têm manchas no chão que formam círculos, onde eu gosto de descansar a minha nudez. 

A solidão às vezes é um entrelaçar de dedos consigo.

Supero a extremidade da porta, olhos arregalados de felina. Minhas mãos percorrem a casa, mas não como antes. Agora elas passeiam. Outrora fazia visitas guiadas, duravam pouco. Logo retornava aos fantasmas que julgo matéria. Abstrações. Ilhas imaginárias. Um quarto perfeitamente quadrado e silencioso.

Não mais, fitem minha forma e meus sons. Públicos. Meu cheiros tão orgânicos. Tenho também pés que enraizam pela casa e pelo quintal e pelo jardim. 

O meu corpo transborda hoje. E isso sou eu. Corpo. Há marcas. As paredes percebem. E há música que minhas mãos tocam. Entrelaços. Também carrego essa nova pele, com as marcas feitas estampa.

Casa. Corpo. Caminhos na minha mão.  De dedos que não querem mais alcançá-lo.

As mãos dedilham canções, em mim. Tecem meu próprio sudário. Levantam paredes com terras que unhas cravaram. Minhas, novíssimas garras.




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