Domingos Brancos


Não gostava muito de gente. Conversar com gente. Essa coisa de mostrar os dentes, sacudir as mãos ou dar tapinhas. Gente fica encostando sem motivo. Gente fala cuspindo. Gente dá espetáculo conversando amenidades - especialmente as mulheres. Não, nada que exija tanto contato com gente o motivava em alguma medida.

Estranhamente, as pessoas olhavam para Damião e pensavam justamente o contrário. Todos pensavam que ele tinha a maior urgência em falar sobre qualquer coisa. Damião isso. Damião aquilo. O que o senhor acha? O que o senhor fará no dia da Páscoa? Definitivamente não faria nada. Damião não gosta muito de gente e gosta menos ainda de festividades de gente. Esses rituais civis que só fazem gastar dinheiro e ficar irritado.

Achou por bem ser ranzinza. Antipatizar com todos até fazê-los desistir de incluí-lo nas sociabilidades. Quaisquer que sejam estas.

Em pouco tempo Damião já não era convidado para casamentos, batizados ou reuniões de condomínio. Apenas o porteiro lhe avisava sobre a correspondência.

As bocas mais ásperas diziam que ele estava ficando maluco. As mais simpáticas diziam que ele estava apenas cansado. Difícil é a vida de um homem sozinho, na sua condição. A ele, diretamente, ninguém dizia sequer bom dia.

Apesar de recluso e solitário, Damião ia todo domingo até a pracinha da esquina. Gostava de ouvir o batuque de Horácio, da barraca de instrumentos percussivos.

Homem difícil de agradar. Não gosta de pessoas, mas lhe interessam muito os ruídos que elas fazem. Por isso gosta de ficar em silêncio. Sobretudo quando está sentado junto à barraca de Horácio.

Um dia Horácio não apareceu. Muito estranho. Não houve um domingo nos últimos meses em que Horácio não montasse seu estande de barulhos e festas.

Damião ficou tão intrigado com desaparecimento de Horácio que cogitou perguntar a outras pessoas. Aquela moça gordinha e metálica da barraca de doce em compota. A cada fala, cinco minutos de zumbido nos ouvidos. Não.

Ou para o homem oboé da barraca mística. Vê o futuro e fala musical. Dois serviços mal prestados pelo preço de um. A voz falada que canta, mas semitona, e acalenta pessoas tristes e supersticiosas. Seu nome é Cauby. Não.

Não iria falar com ninguém. Não gosta de gente. Só dos ruídos.

No domingo seguinte chegou bem mais cedo. Gritos de crianças. Burburinhos de gente. Chorinho ao fundo. Mulheres histéricas gritando com os filhos. Mas não. Nunca batuque.

Uma voz. Damião, quer que eu te acompanhe até em casa?

Não respondeu. Cruzou a praça praguejando e rosnando baixinho. Vez ou outra acertando a bengala em algum transeunte. Era um domingo como outros. Branco. Mas sem Horácio.

Passou pela orientação do porteiro sobre a correspondência, que ele nunca pega. Subiu o elevador sem cumprimentar ninguém. Fez música com o molho de chaves. Entrou em casa e se sentou no sofá.

O silêncio era de todos os domingos. Esses que passam anônimos na história e cujos sons se costuma perceber, ouvir e esquecer. Mas hoje, por algum motivo, Damião chorou.

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