Casa e Jardim

Há uma redoma que envolve esta casa. Você vê?

Eu sinto essa insistência no pouco ar, uma escassez de respirar. E ela sempre esteve lá. Desde que pisei meus pés descalços pela primeira vez, sim, porque gosto de entrar nos lugares sem calçados. Gosto d e despir crescente. De pisar e sentir, ao menos, aquilo que importa, ou que deveria importar. E ao chegar ali foi inevitável. Me encantei pelo belo terrário e achei que podia fazê-lo lar, que podia ser eu a fazer ventar. Aquelas janelas grandes, velhas e luminosas, como uma eterna vereda toscana, não merecem essa constante falta de ar.

Eu o via por detrás daquela mesa, incrustado à madeira do escritório e à solitude, sempre. Como o abajur alaranjado e velho que nunca desligava. Dia. Noite. Ele. Margeando pilhas de papéis, alheio ao cheiro de mofo, às teias de aranha, aos ciclos de luz. Alheio a mim. Mas, fui ficando, estranhamente, enraizando, perecendo, baforando pela casa. Apego é uma coisa ridícula e irresistível. Cuidava dela, dava à ela a poesia que merecia. Novos objetos, tinta nas paredes, cheiro de flores, cortinas e até um balanço que eu mesma fiz.

No começo, havia menos tempo para a casa, mesmo em encanto com os dias e já com poucas visitas. Mas havia nós dois e lá nos divertíamos com amor molhado e brigas secas, como o equilíbrio das estações.

Quanto mais o tempo passava, mais eu tentava ventar desesperadamente. Me lançava pelos corredores e cômodos de uma casa tão viva que crepitava e rangia enquanto dançava, cantarolava. Eu fazia questão dos ruínos, cântigos e bater de panelas. A vida diária exultante como uma banda marcial. Ele, não. Ele, o avesso. Quanto mais a casa falava, mais alto ele silenciava.

Nem brigas. Ele me asfixia lentamente uma gentileza impassível. Eu caminho nua pela nossa casa-cenário, ele pede a manteiga com um gesto diminuto. O provoco com um gênio terrível, infantil, até fundamentalmente mau. Ele me traz uma revista de casa e jardim. Digo que quero um filho. Ele me entrega perfeita cópula burocrática, em dias supostamente férteis - não fosse o diafragma.

Como boa escrava emocional daquela casa, agradeço o mau ar e o asfixio de volta, com cal e performance. Encho a casa de música, plantas e sexo, que parecem ser coisas que ele odeia. E até o fim serei tão sublime quanto um pêndulo, e serei impossível, para me fazer eterna como aquelas paredes grossas. Até ser ruína. Até quebrá-lo, a ele, aos vidros das janelas. Até entrar algum ar ou loucura. Alguma tempestade. Qualque frio que eu possa sentir. Qualquer coisa.

Não. Há uma redoma que envolve esta casa, sabe? É bela e natural. E, se olhar bem, ali pelos cantos, até dá pra ver.


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