A cafeína da manhã



Porque o tempo, porque o espaço, porque uma casa sem nome.


Você, etéreo e duro, clama o tempo. Eu, inócua e flexível, determino qualquer coisa como espaço. Outro, de viés, nos diz daquilo que já não é real. Vozes, sangues, sapatos no capacho, os vizinhos vão reclamar. 


Quarta-feira, eu sucumbo às minhas próprias curvas. Acolho os seus gritos dentro da minha cabeça. Atualizo, me sinto pós-qualquer-coisa-contemporânea. Com asas, sem asas, com órgãos, sem corpo. Vento, seio materno, sexo.


Olha em volta, você. Finalmente construí uma casa, inacabada. Sem árvore ou navio. Paguei com calma e pensamentos selvagens. Te fiz um convite. Um que você já me fizera, antes de o esquecer. 


Valsei a valsa torta, que nem valsa era, mas que foi certamente música. Música que faz espasmar o corpo. Havia ali compasso, ritmo, contratempo. Aliás, contratempos e semitons. Seminus, fraternos. O fogo, o forno, o calor, a saliva e a queimadura. É quarta-feira, já disse.


Você deixa o seu café esfriar, para logo não o querer e assim me presentear. Como um gato que dedica rabos de lagartixa antes de vomitar no seu sofá. E você agradece a comunhão. Comunhão. E café, oxidado.


Por um motivo qualquer isso me comoveu. Acendeu meu segundo sexo, como também terceiros e quartos e incontáveis cafés frios. N’outras vezes, morno. Comunhão.


Em dias especiais, cafés quentes em jarras de beber são colocados sobre a minha mesa, com ternura. Dias em que deixei o café esfriar à espera da comunhão com a minha saliva. Talvez eu tenha qualquer coisa com o tempo, porque ele escorre por entre dedos e murmúrios. O café, esfria. Eu comungo com ele. A mesa, a caneca, a boca, minhas.


Coisas que faria por quartas-feiras pálidas e cinzas. Tótens meus. Cóleras suas, tédios, telas, quase cinemas.


Tempo, espaço, café, sexo, você e manchas amarronzadas sobre esta folha. Bricolagens afetivas.


Esse excesso de realidade me comove. Eu rebebo. Eu requento, dentro. Eu refaço. O café, não.


Comentários

Postagens mais visitadas