Os giros de Laura
Laura estava sempre trancada na
sua despensa de ideias. Criava um ecossistema isolado do entorno. Sentia-se
mais interessante por isso, arrisco.
Pendurou na saleta do escritório um
balanço de pneu, um que ela tingiu de verde.
Descobri a façanha de forma linda.
Descobri a façanha de forma linda.
Ela girava acrobata. Pés juntos à
corda, tronco inclinado para baixo enquanto ela rodopiava de olhos fechados e
braços soltos. Abro os ouvidos. Simon & Garfunkel, uma música que não lembro o nome. O balanço
foi posicionado bem próximo à janela, onde a cortina fazia entrar uma luz
indireta esverdeada que contrastava com as sombras âmbar da luminária, espalhadas
por todo o cômodo.
Pronto. A magia aconteceu.
Ela notou minha presença. Esperou
imóvel que os giros ficassem mais lentos até parar. Seu olhar me encontrava a
cada volta. Ela sorria, sabia que estava bonita. De um jeito muito estranho que
só pode causar fascínio vindo dela.
Ela estava nua, mas isso já não
me impressionava. Ela não usa uma peça de roupa dentro de casa. Qualquer outro
cara teria ficado sem os batimentos cardíacos. Eu só a fitei. A imagem era tão
bonita que parecia montada, propaganda de perfume.
Tirei-a do balanço, ainda zonza. Laura
se lançou contra o meu corpo. Estava no comando.
Dali o caminho era óbvio, piegas.
Nós transaríamos de um jeito inspirado e ardente, que para qualquer outro casal
seria o ápice dos momentos. Entre a gente, era apenas Laura querendo se
fazer onírica (que inferno, mesmo trepando). Ela obteve sucesso, como sempre.
Mas não posso dizer que foi espontâneo. Nunca o é.
Nunca sexo preguiçoso, de lado.
Cochilos entre um gemido e outro. Nunca cabelos oleosos, cara de ontem. Blusa rasgada
da adolescência. Nunca beijo sem hortelã. Nunca filme ruim, domingo banal.
Sempre Laura sendo Laura. E eu, conquanto, tentando ser eu. Amargo e entediado por
sua magia, mas sempre entregue.
Nossos dias são a inevitável interseção entre os giros de Laura e a minha labirintite.
Nossos dias são a inevitável interseção entre os giros de Laura e a minha labirintite.
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